30% dos problemas pódem ser resolvidos.
Cerca de 30% dos problemas de malformações dos bebês já podem ser solucionados pelo avanço da medicina fetal. Hoje, as tecnologias usadas nos exames diagnósticos, como o ultrassom, por exemplo, permitem diagnosticar problemas já nas primeiras semanas de concepção e os fetos são operados com segurança ainda no útero da mãe. Dr. Fábio Peralta, um dos pioneiros na cirurgia fetal no Brasil, comenta os benefícios da medicina fetal.
Enquanto a obstetrícia cuida da saúde da mulher, uma nova subespecialização da área, a medicina fetal, dedica-se ao feto como paciente. “Não é possível isolar o feto da mãe”, explica dr. Fábio Peralta, médico obstetra especializado em medicina fetal (fetólogo), cirurgião-chefe da Gestar Centro de Medicina Fetal. “O termo mais correto seria medicina materno-fetal”, ressalta. “A medicina fetal visa diagnosticar a normalidade ou a anormalidade do período gestacional e trabalhar na prevenção de doenças da gestação, tanto do feto como na gestante”, define. De acordo com o médico, reunidos em equipes multidisciplinares, especialistas em assuntos relacionados à saúde do bebê e da mãe, como: obstetrícia, cirurgia pediátrica, anestesia e neonatologia, agora trabalham juntos para salvar vidas.
Peralta lembra que a medicina fetal começou a ter relevância na vasta área da obstetrícia, a partir da invenção do ultrassom, por volta de 1946 e, principalmente, com a chegada da cordocentese (amostra de sangue fetal, colhido do cordão umbilical), introduzida no início da década de 1980. “A partir daí, foi possível ao médico ter acesso ao feto no útero da mãe. De lá para cá, o avanço da tecnologia, com imagens cada vez mais nítidas, permitiu o desenvolvimento da ciência para identificar, prevenir e tratar problemas relacionados ao feto”, pontua. A possibilidade de ver o feto permitiu ao médico avaliá-lo com ferramentas para coleta de materiais e análise da saúde fetal e possibilitou fazer intervenções diagnósticas, cirúrgicas e terapêuticas. Outros adventos como a ressonância magnética e a genética também colaboraram para a evolução da medicina fetal.
Foi no início de 1980, que especialistas em ginecologia e obstetrícia, treinados na Inglaterra e França, passaram a introduzir técnicas de medicina fetal no Brasil. Hoje, existe uma variedade de exames disponíveis para o rastreamento de problemas cromossômicos já no primeiro trimestre de gestação.
Quatro ultrassons
Durante a gestação são necessários, em média, quatro ultrassonografias. O primeiro exame deve ser realizado entre a 7ª e 8ª semana de gravidez, preferencialmente pela via transvaginal e permite datar a gestação, verificar as doenças fetais, os prognósticos da gestação e os fatores de riscos durante a gravidez. O segundo ultrassom, chamado Translucência Nucal, deve ser feito entre a 11ª e 14ª semana de gravidez e visa avaliar de o bebê ter Síndrome de Down. Já na terceira visita, realiza-se o ultrassom morfológico de segundo trimestre, que deve ser feito entre a 18ª e 24ª semana de gravidez, para avaliar a anatomia do feto. Finalmente, no terceiro trimestre, na 34ª semana, é feito o ultrassom para avaliar o crescimento fetal.
Além desses, na metade da gestação, é realizado o ultrassom com Doppler, para determinar se a gestação é de alto risco e se precisa de assistência específica. Os principais fatores de riscos são as doenças de aparecimento durante a gravidez, como diabetes, pré-eclâmpsia e parto prematuro. “Esses problemas vão interferir na evolução do feto também. A função do fetólogo é checar a normalidade da gestação, investigar doenças fetais e, se possível, tratar o feto e a gestante”, informa dr. Fábio Peralta.
Cirurgia fetal
Com a medicina fetal surgiram os procedimentos cirúrgicos intrauterinos que, atualmente, são realizados para operar o feto, seja por meio de técnicas endoscópicas minimamente invasivas ou por cirurgias abertas.
Estudos demonstram que, antes da medicina fetal, 30% das gestações eram mal sucedidas, principalmente, nos casos de malformação. “Hoje, conseguimos sucesso na maioria dos problemas, que podem ser tratados ainda no útero por meio de cirurgia fetal. Já existem várias malformações que são tratáveis, como Hérnia Diafragmática Congênita, Transfusão Feto-fetal, Mielomeningolece, cardiopatias, cujas intervenções precoces melhoram o prognóstico de vida do bebê”, revela o fetólogo.
Infelizmente, no Brasil, nem todos têm acesso aos benefícios da medicina fetal. “Poucos centros públicos de saúde oferecem o mesmo sistema da rede privada. Somente, aqueles ligados a grandes universidades têm condições de oferecer serviços similares. Com isso, muitos pacientes do SUS ficam sem o tratamento mais avançado”, lamenta o médico que também atende pelo HCor.
Patologias tratáveis com medicina fetal:
Hérnia Diafragmática Congênita (HDC): É um defeito que ocorre na formação do feto, quando o diafragma não fecha completamente e, através da abertura, os órgãos do abdômen, como intestino, fígado e estômago, sobem para o tórax e impedem o desenvolvimento do pulmão. Nos casos de HDC grave, a malformação pode ser corrigida com uma cirurgia fetal (oclusão traqueal endoscópica fetal – a colocação de um pequeno balão na traqueia do bebê por via endoscópica), realizada geralmente entre 24 e 28 semanas de gravidez.
Síndrome de Transfusão Feto-Fetal (STFF): É uma complicação rara, que pode ocorrer na gravidez de gêmeos que compartilham a mesma placenta. É diagnosticada por meio da diferente quantidade de líquido amniótico entre as duas bolsas dos dois fetos. O tratamento consiste em uma intervenção cirúrgica, minimamente invasiva, na qual é feita uma coagulação a laser dos vasos sanguíneos, impedindo o desequilíbrio na circulação de ambos os fetos. Após a realização do procedimento, já se pode perceber o restabelecimento do equilíbrio hemodinâmico entre os fetos. O tratamento é feito no final do segundo e no início do terceiro trimestre de gestação.
Mielomeningocele ou espinha bífida: É uma malformação na coluna do feto, que deixa exposta a medula espinhal e as raízes nervosas, levando a inúmeras alterações neurológicas. Hoje já existem comprovações científicas que, em determinada situações, o tratamento intrauterino apresenta melhores resultados do que o tratamento após o nascimento. Existem diferentes técnicas para a correção da espinha bífida durante a gravidez. A técnica mais utilizada mundialmente consiste em um procedimento feito por meio de uma pequena incisão de 2,5 cm no útero, através da qual os neurocirurgiões corrigem a mielomeningocele fetal com o auxílio de microscópios de alta resolução.
Cardiopatias fetais: Por meio do ecocardiograma fetal, que é uma ultrassonografia para avaliar o coração do bebê, é possível um diagnóstico precoce de cardiopatias fetais. Alguns bebês com cardiopatias específicas podem ser tratados ainda dentro do útero. Outros necessitarão de nascer em uma maternidade especializada para acolher os bebês cardiopatas.
Sobre o especialista:
Fábio Peralta é ginecologista, obstetra e cirurgião Fetal, graduado em medicina e residência médica em ginecologia e obstetrícia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, pós-graduado pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em medicina fetal no King’s College Hospital – Universidade de Londres. Foi um dos pioneiros das cirurgias fetais no Brasil. Atualmente é médico responsável pela cirurgia fetal no Hospital do Coração de São Paulo (HCor); Hospital São Luiz, Cetrus e na Gestar Centro de Medicina Fetal. Coordena o programa de pós-graduação (lato sensu) em medicina fetal do Cetrus em São Paulo.